Tem Portugal direito à Defesa? (I)


A organização da Administração Pública através órgãos destinados à satisfação de necessidades colectivas não garante resultados automáticos e satisfatórios. No limite não basta criar um Ministério da Riqueza para multiplicar o número dos financeiramente bem aventurados.


A consciência da taxa de insucesso está bem presente no sector da saúde, onde a doença e a falta de tratamento resistem às sucessivas reorganizações administrativas, nomeações e purgas de dirigentes. A aferição da satisfação de outras necessidades colectivas é mais maleável, dependendo muitas vezes do grau de contentamento de grupos que capturaram os recursos públicos alocados (caso da cultura) ou que confundem as suas reivindicações sindicais com a satisfação da necessidade colectiva que são supostos prosseguir (caso dos sindicados de professores no fornecimento da educação pública não superior). Nas tradicionais funções de soberania (negócios estrangeiros, defesa, justiça, segurança interna) a avaliação do sucesso também está refém da captura pelas respectivas corporações, a par de uma incapacidade de auto-avaliação por parte do Estado e da volubilidade do sentimento popular quanto aos sucessos da Administração.

No caso da Defesa acresce a dificuldade da dimensão internacional, por via de cláusulas de legítima defesa colectiva e da ausência da prova final de aferição, conhecida como guerra. Ao dia de hoje serve de exemplo a Ucrânia para vermos o que acontece a um Estado quando não tem suficiente capacidade própria de defesa e não pode beneficiar de mecanismos colectivos de defesa.

Em Portugal a pesada herança da guerra colonial e a tutela revolucionária pelos militares no exercício dos poderes político, legislativo, jurisdicional e administrativo (presença que terminou, em grande medida, com a revisão constitucional de 1982) deixaram pouca apetência pela discussão do que sejam os requisitos funcionais da defesa nacional. O tema anquilosou e foi entregue em regime de quase monopólio aos directamente interessados. O resultado é, há muitos anos, particularmente sinistro: pirâmide invertida de recursos humanos, com uma hipertrofia da oficialidade superior, reduzidíssimo investimento em novos equipamentos, ciclos de manutenção completamente ultrapassados, orçamento concentrado nos recursos humanos (activos, na reserva e reformados), incapacidade de projecção de forças com meios próprios, reduzidíssimo grau de sustentabilidade de forças no exterior, incapacidade de retenção de recursos humanos nos não oficiais (fruto da desvalorização generalizada da remuneração da função pública e da concorrência do sector privado e das forças de segurança).

Portugal, como a generalidade dos membros da NATO, sempre confiou no guarda chuva de forças convencionais e nucleares dos EUA. Esta confiança permitiu poupar o erário público, em particular desde a queda do muro de Berlim. Todos os Presidentes dos EUA apelaram aos Aliados para aumentarem o gasto em defesa. Trump decidiu reforçar o apelo com uma quantificação (2% do PIB, agora 5%), uma redução da presença de militares dos EUA na Europa (ainda superam os 80 000, muito abaixo do meio milhão durante a guerra fria) e uma ameaça de abandono da NATO ou, o que vem a dar no mesmo, de denúncia do compromisso de legítima defesa colectiva.

A invasão da Ucrânia convenceu os Aliados, com intensidade decrescente de Leste para Oeste, da bondade da proposta de Trump. Esta semana o Reino Unido publicou a sua Strategic Defence Review, um exercício de duro realismo em relação às segundas forças armadas mais poderosas da Europa (sendo as turcas as primeiras, em volume). Portugal deveria, rapidamente, promover uma análise similar.

Tem Portugal direito à Defesa? (I)


A organização da Administração Pública através órgãos destinados à satisfação de necessidades colectivas não garante resultados automáticos e satisfatórios. No limite não basta criar um Ministério da Riqueza para multiplicar o número dos financeiramente bem aventurados.


A consciência da taxa de insucesso está bem presente no sector da saúde, onde a doença e a falta de tratamento resistem às sucessivas reorganizações administrativas, nomeações e purgas de dirigentes. A aferição da satisfação de outras necessidades colectivas é mais maleável, dependendo muitas vezes do grau de contentamento de grupos que capturaram os recursos públicos alocados (caso da cultura) ou que confundem as suas reivindicações sindicais com a satisfação da necessidade colectiva que são supostos prosseguir (caso dos sindicados de professores no fornecimento da educação pública não superior). Nas tradicionais funções de soberania (negócios estrangeiros, defesa, justiça, segurança interna) a avaliação do sucesso também está refém da captura pelas respectivas corporações, a par de uma incapacidade de auto-avaliação por parte do Estado e da volubilidade do sentimento popular quanto aos sucessos da Administração.

No caso da Defesa acresce a dificuldade da dimensão internacional, por via de cláusulas de legítima defesa colectiva e da ausência da prova final de aferição, conhecida como guerra. Ao dia de hoje serve de exemplo a Ucrânia para vermos o que acontece a um Estado quando não tem suficiente capacidade própria de defesa e não pode beneficiar de mecanismos colectivos de defesa.

Em Portugal a pesada herança da guerra colonial e a tutela revolucionária pelos militares no exercício dos poderes político, legislativo, jurisdicional e administrativo (presença que terminou, em grande medida, com a revisão constitucional de 1982) deixaram pouca apetência pela discussão do que sejam os requisitos funcionais da defesa nacional. O tema anquilosou e foi entregue em regime de quase monopólio aos directamente interessados. O resultado é, há muitos anos, particularmente sinistro: pirâmide invertida de recursos humanos, com uma hipertrofia da oficialidade superior, reduzidíssimo investimento em novos equipamentos, ciclos de manutenção completamente ultrapassados, orçamento concentrado nos recursos humanos (activos, na reserva e reformados), incapacidade de projecção de forças com meios próprios, reduzidíssimo grau de sustentabilidade de forças no exterior, incapacidade de retenção de recursos humanos nos não oficiais (fruto da desvalorização generalizada da remuneração da função pública e da concorrência do sector privado e das forças de segurança).

Portugal, como a generalidade dos membros da NATO, sempre confiou no guarda chuva de forças convencionais e nucleares dos EUA. Esta confiança permitiu poupar o erário público, em particular desde a queda do muro de Berlim. Todos os Presidentes dos EUA apelaram aos Aliados para aumentarem o gasto em defesa. Trump decidiu reforçar o apelo com uma quantificação (2% do PIB, agora 5%), uma redução da presença de militares dos EUA na Europa (ainda superam os 80 000, muito abaixo do meio milhão durante a guerra fria) e uma ameaça de abandono da NATO ou, o que vem a dar no mesmo, de denúncia do compromisso de legítima defesa colectiva.

A invasão da Ucrânia convenceu os Aliados, com intensidade decrescente de Leste para Oeste, da bondade da proposta de Trump. Esta semana o Reino Unido publicou a sua Strategic Defence Review, um exercício de duro realismo em relação às segundas forças armadas mais poderosas da Europa (sendo as turcas as primeiras, em volume). Portugal deveria, rapidamente, promover uma análise similar.